O Sobrenatural Parte V Florbela Espanca Conto











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O sobrenatural [ Playlist    • O Sobrenatural [ Florbela Espanca ]   ] • Já tive medo • Já tive medo • Já tive medo • Castro Franco endireitou-se no divã, • e olhou-o com surpresa. • Confesso humildemente que sou um • affreux bourgeois, • como diz ali o Paulo • repetiu Mário de Meneses • num sorriso fugitivo que mais parecia um esgar. • A mulher que tinha • a cabeça encostada à mesa, • levantou-a, e olhou para ele • com um olhar de incredulidade. • A Gatita Blanca sorriu. • Mário de Meneses poisou o cotovelo • em cima da mesa, • encostou à mão a bela cabeça morena • onde brilhavam inúmeros • fios de prata, e começou: • Tinha eu vinte e quatro anos • e era guarda-marinha. • Namorava naquele tempo uma rapariga • que trazia a minha crédula mocidade • presa ao encanto dos seus sorrisos • e das suas levianas criancices. • Essa rapariga era de Lisboa, • morava aqui, mas, um belo dia, • em pleno Inverno, • por um capricho dos vários • que lhe eram habituais, • resolveu ir passar as férias do Natal • com uma amiga • que habitava uma quinta, • um solar muito antigo, • ali para os lados de Queluz. • E lá foi no dia • vinte e dois de Dezembro. • Eu, aborrecido, • irritado pela malfadada idéia, • recusei-me peremptoriamente • a ir vê-la. • Mas, no dia vinte e quatro à tarde, • sozinho, sem família, neurasténico, • pus-me a evocar outros Natais, • outros remotos Natais • na minha província distante. • Ah! O poder evocador de certas tardes, • de certos momentos! • A casa onde outrora, naquela noite, • ardia na chaminé branca de neve • o grande madeiro de azinho! • Ouvi distintamente a voz longínqua • e cansada de uma avó velhinha que, • num crepúsculo cinzento de Inverno, • fechava a porta • que dava para o quintal, dizendo: • “Vai cerrar-se a noite em água” • enquanto o riso da minha mãe • ecoava na sala de jantar, • onde punham a mesa para a consoada. • “Vai cerrar-se a noite em água.” • E, àquela frase, • o madeiro de azinho crepitava • mais alegremente na chaminé, • o meu infantil egoísmo achava • que era mais doce a sua luz • e mais vivo o seu calor. • Haveria chuva, frio e vento lá fora, • pelos caminhos, • mas depois da Missa do Galo • haveria ali dentro, à chaminé, • o madeiro de azinho a crepitar, • e a meada de oiro • e prata dos belos contos de fadas, • que a avó sabia, • desenrolar-se-ia numa milagrosa abundância, • horas a fio. • Vozes queridas, • vozes apagadas e mortas, • como eu vos ouvi naquela tarde de Dezembro! • Era tal a minha tristeza • e tão grande o meu desânimo • que resolvi ir à quinta, • ao tal solar, ver a rapariga.

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