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CIORAN GNÓSTICO
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Para adentrar a dimensão místico-religiosa da obra e do pensamento de Cioran, há muitas vias de acesso. Por exemplo, este aforismo de Écartèlement (1979): “Não queria viver em um mundo esvaziado de todo sentimento religioso. Não penso na fé, mas nessa vibração interior que, independente de qualquer crença, nos projeta em Deus e, às vezes, mais acima.” • Ninguém pode tornar claro em que consiste a qualidade ou o valor de um sentimento a quem nunca o tenha experimentado. É preciso ter ouvidos musicais para saber o valor de uma sinfonia; é preciso ter estado apaixonado para entender o estado de espírito de um amante. Na falta do coração ou do ouvido, não podemos interpretar com justeza o músico ou o amante, e é provável que os consideremos débeis ou absurdos . — William James, As Variedades da Experiência Religiosa (1902). • AS VARIEDADES HETERODOXAS DA EXPERIÊNCIA RELIGIOSA (E MÍSTICA) • Meditando sobre a antropotécnica que teria suplantado a antiga ascese religiosa, Sloterdijk saúda Cioran por cultivar certa tensão vertical numa época de crescente achatamento e domesticação do animal racional. Critica, por outro lado, aqueles que manifestam - apostando nas platitudes, sempre limitadoras e redutoras, em sua zona de segurança ideológica - certa mentalidade de planície , de acampamento básico , típica das doutrinas bem-intencionadas que pretendem ampliar e oficializar os acampamentos básicos em regiões planas. Cioran é um um habitante de cumes e abismos, um espírito inimigo das miragens que abre seu caminho do centro à periferia , um nômade filosófico, um andarilho do espírito, um exilado metafísico que se sente atraído para longe desses acampamentos básicos em regiões planas . • A planície , esse acampamento básico em regiões planas , aplica-se igualmente ao senso comum acadêmico que tende a reduzir Cioran a um cético e nada mais, um pensador trágico e inequivocamente ateu, quando não um materialista como Diderot, Demócrito e Lucrécio. Ledo engano: além do materialismo, Cioran demonstra um profundo lado espiritual, místico-metafísico, certo espiritualismo , poder-se-ia dizer. Nem Fernando Savater e Clément Rosset escapam a essa platitude hermenêutica timorata, negando ou ignorando que a cartografia da alma de Cioran é naturalmente mística, como o plai romeno, essa paisagem entrecortada, numa combinação desconcertante, vertiginosa, de montes e vales, alturas, depressões, planícies e platôs. • O conhecimento que mais importa para o autor romeno não é epistêmico, mas místico-intuitivo: conhecimento religioso , poder-se-ia dizer, visão-revelação extática, na experiência interior. O fundus animae do logos cioraniano é de natureza mística, heterodoxa, gnóstico-dualista. Para além da platitude existencial , grau zero do pensamento e da experiência, Cioran é, como afirma seu irmão, Aurel, um místico autêntico e original, um pensador religioso descrente, um gnóstico sui generis, negativo, sem Deus nem salvação, heterodoxo entre os heterodoxos. • Como o Tomé gnóstico, segundo Jean-Yves Leloup, Cioran é infinitamente cético e infinitamente crente , e o saber cultivado por ele uma estranha forma de gnose , se por este termo entendermos, também segundo Leloup, a dupla lucidez em relação à condição humana, dupla consciência que contempla, em um olhar único, o absurdo e a graça . Mas -- a pergunta que não quer calar é -- pode-se falar efetivamente de uma experiência da graça, ou beatitude, em Cioran? • #cioran #gnosticismo #heresias
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